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As Maravilhas do Cunhaú

Jorge resende e seu belo camurim

A noite fechada envolve a cidade. Enquanto o carro avança, a luz amarela de uns poucos postes se reflete nos paralelepípedos que pavimentam as vias. No horizonte, o escuro profundo esconde o que só o som de ondas quebrando permite imaginar. As ruas estão vazias, apenas um ou outro veículo, vez em quando, cruza o caminho rumo a um destino insondável. As casas são poucas e pequenas.  Amanhece. E o que antes era negro se revela de uma natureza exuberante e bela. O paraíso para qualquer pescador. As margens do rio repletas de pequenas canoas, repousando tranquilas sobre as aguas calmas que seguem ao mar. Do lado esquerdo, o oceano se espraia sem fim entrecortado por arrecifes aqui e ali. À direita, o manguezal serpenteia em um labirinto verde até onde a vista pode alcançar. Assim é Barra do Cunhaú, um pequeno povoado localizado no município norte-rio-grandense de Canguaretama, a 72 quilômetros de Natal.

Marcos Réia registra as belezas de Barra do Cunhaú

Para quem pratica nosso esporte, a primeira sensação ao chegar à cidade é de estar imerso em uma vila de pescadores.  E, de fato, o lugar não está muito distante disso. A exceção de algumas boas pousadas e uma pequena estrutura de serviços, Barra do Cunhaú é, essencialmente, uma colônia de pescadores. E não é para menos, pois o local é absolutamente piscoso. Tanto que rendeu até a produção de um DVD, “A Pesca do Robalo” pelas lentes de um dos cinegrafistas mais importantes do setor, Marcos Réia. Camurim, camurupim, pescada amarela, sernambiquaras, pampo, caranha e até mesmo mero são algumas das espécies capturadas no local. Motivo mais do que suficiente para conhecer e voltar sempre.

JJ conhecido no Nordeste com Sapinho

Fizemos a tradicional pescaria de galhadas em busca dos grandes camurins e também tivemos a oportunidade de realizar uma modalidade ainda pouco difundida em nossa região, a pesca vertical com jumping jigs (JJ) em água doce. E qual não foi nossa surpresa em presenciar a eficiência desse método.  Diferente dos arremessos em galhadas, a pesca de fundo exige menos técnica e traz aumento tanto em produtividade quanto de número de espécies capturadas. Usando as isquinhas de metal, capturamos os desejados camurins e tivemos outras ações de tirar o fôlego.

Pescada amarela capturada com JJ

A pescaria com JJ pode ser feita virtualmente em qualquer ponto do rio, entretanto, o uso do sonar para mapear zonas mais profundas, os chamados poços, aumenta bastante a quantidade de fisgadas. A isca mais usada durante a nossa jornada é conhecida pelos locais como “sapinho”, mas na verdade se assemelha mais a uma pequena lula do que ao anfíbio propriamente dito. No mais, não é mistério, basta soltar a isca ao lado do barco, esperar tocar o fundo e recolher a linha dando pequenas pindocadas para dar vida ao artificio.

Bacia do Pina

Recife, capital pernambucana, é conhecida mundo afora como a Veneza brasileira. O emaranhado de rios que entrecorta a metrópole nordestina lembra os canais da cidade italiana e faz da presença ribeirinha uma realidade sempre presente na vida de seus conterrâneos. Hoje, já fortemente marcada pela presença humana, não monstra mais a exuberância de outrora, porém, mesmo após anos de agressões, a vida natural teima e mostrar sua resiliência.

 

Um exemplo palpável dessa realidade é a Bacia do Pina,  composta pelas confluências dos rios Capibaribe (braço sul), Tejipió, Jordão e Pina. Com características estuarinas a região sofre os impactos ambientais causados pelo homem, principalmente despejo de esgotos domésticos e industriais. Tem grande importância para a população local, pois é a principal fonte de alimentação de comunidades carentes que subsistem em seu entorno através da pesca.

 

O rio Capibaribe, curso mais importante a cruzar o Recife, nasce na Serra de Jacarará no município de Po ção-PE e em seus 240 quilômetros de extensão banha 42 municípios, além de dividir a capital pernambucana antes de deságua no oceano atlântico. Seu braço sul une-se ao rio Tejipió, que nasce em São Lourenço da Mata e tem apenas 20 quilômetros de extensão. Juntos, se fundem ao rio Beberibe e encontram as águas salgadas da cidade nas proximidades do seu porto.

 

Um pequeno curso que parte do rio Tejipió alimenta a lagoa do Araçá, única lagoa natural ainda viva no Recife, localizada no bairro da Imbiribeira.  O espelho d’água, que hoje é centro de um amplo espaço de lazer, por pouco não desaparece do cenário recifense no inicio dos anos 80 quando o aquecimento do setor imobiliário fez necessária a criação de novos espaços para obras. Seu aterro só não se concretizou porque moradores travaram uma briga para preservá-la, que culminou a inauguração do projeto de urbanização da lagoa em 17 de dezembro de 1995. Tem uma beleza natural exuberante, sendo rodeada por vegetação de mangue. É conhecida pelos pescadores esportivos devido a grande quantidade de Camurupins.

 

O rio Jordão é o segundo menor da bacia do Pina. No seu início, quando recebe as águas do Tejipió, abriga viveiros onde são cultivados peixes e camarões. Mais adiante em seu trajeto localiza-se o Parque dos Manguezais, na Ilha de Deus, e, posteriormente, é dividido nos canais Jordão e Setúbal, que recebem esgotos domésticos.

 

O menor rio da bacia, o rio Pina, também apresenta em seu início atividade de piscicultura e carcinicultura e se divide ao longo do seu trajeto em três braços: Braço da Maré, braço do Aeroclube e braço do Parque dos Manguezais, formando estes dois últimos a Ilha de São Simão onde se encontra a rádio da Marinha do Brasil.

 

No braço do Aeroclube é onde há maior atividade da pesca esportiva, por ter fácil acesso tanto pela Rua Tomé Gibson que finda no Aeroclube, quando pela Praça Antônio Vilaça (ou das Casuarinas). Assim como na Lagoa do Araçá, o rio tem grande quantidade de Camurupins e atrai vários pescadores que praticam a pesca tanto nas margens como utilizando caiaques, sendo esta última um belo contato com a natureza, que ainda resiste no local, onde se pode vislumbrar a bela vegetação de mangues, além de garças e outras aves aquáticas que dão um show a parte, fazendo descrer que este local está dentro da cidade e a poucos metros de uma das mais movimentadas avenidas.

 

Foi por esta beleza encantadora e com o intuito de não divulgar o local aos demais que as aves foram confundidas com patos e passaram a chamar o rio Pina de “rio dos Patos”.

Embarcações para Pesca Costeira – características e itens necessários à bordo

*Por Gustavo Adelino

Sem maiores pretensões de exaurir o tema ou mesmo de detalhar tecnicamente o assunto, destino o presente texto àqueles que pretendem se lançar ao mar para realizar a pesca costeira, em mar aberto, e que, antes de mais nada, necessariamente vão se utilizar de uma embarcação que deve ser apropriada a este tipo de empreitada.

Para tanto, é preciso dizer inicialmente que um barco para singrar águas marinhas desabrigadas, nas proximidades da costa, não precisa ser de grande porte nem possuir os mais sofisticados equipamentos eletrônicos das grandes lanchas dos mais afortunados. Assim, sem desprezar os quesitos da segurança e das exigências contidas nas normas da Marinha sobre este assunto, tentarei resumir o que deve conter um barco para que se possa pescar com segurança e certo conforto em mar aberto, até no máximo de 20 milhas de distância da costa.

Pra começar, a embarcação pode ser fabricada industrialmente ou artesanalmente, de madeira, ou de fibra de vidro e ter comprimento superior a 5 metros. Pode ser um casco deslocante ou planante. No primeiro caso, a embarcação desenvolverá baixas velocidades e exigirá motor de menor potência, diesel ou gasolina, implicando naturalmente em baixo consumo.

O casco, ainda que construído artesanalmente, deverá ser robusto o suficiente para encarar mares bravios e ondas altas, ou seja, deverá ter costado relativamente alto (acima de 70cm), cavernas reforçadas para resistir aos esforços estruturais causados pelo mar, ter o convés fechado e ser preferivelmente autodenantre, para que toda água que caia no barco, do mar ou da chuva, escorra por gravidade novamente para o mar, não acumulando no interior do casco.

A embarcação deverá ter no mínimo duas bombas de porão acionadas por automáticos e ligadas diretamente na bateria do barco, sem passar pela chave geral. Não se recomenda para mar aberto embarcações com o casco totalmente aberto, como no caso das canoas.

Embarcações de pequeno porte ainda podem ter flutuação positiva, característica essa que mantém o barco flutuando na superfície nos casos remotos de avarias e alagamentos. Para tanto, entre outros recursos, usa-se a espuma de poliuretano expandido entre as cavernas e, nos casos de construções artesanais, pode-se preencher o casco com isopor, garrafas pet, ou mesmo galões de plástico. Pode até não ser visto com bons olhos estes últimos recursos, mas são de grande valia em casos de emergência, especialmente quando se tratar de embarcações de pequeno porte que não permitem o uso de balsas salva-vidas.

Nesse contexto, cumpre destacar ainda as características básicas e fundamentais de um barco para navegar em mar aberto: estabilidade, estaqueidade, manobrabilidade e flutuabilidade. Tais qualidades servem para que o barco, ainda que topando condições de tempo e mar adversos, se mantenha em posição navegável, sem adernar perigosamente, que mantenha as águas fora do casco continuando a flutuar, bem como que continue obedecendo ao comando do piloto com facilidade sem oferecer resistência, ou seja, que seja possível manobrar a embarcação para o rumo que o piloto desejar.

Outro item importantíssimo para uma embarcação de mar aberto é uma cabine habitável, ou seja, algum ambiente que possa abrigar os tripulantes em caso extremo de mau tempo, amparando-os dos ventos, das chuvas e do sol. Apesar disso, se vê muitas embarcações, até de porte médio (7 a 10m), que são apropriadas para mar aberto, mas não têm cabine, porém, na maioria das vezes, são lanchas rápidas que podem se evadir do alto mar rapidamente no caso da chegada de algum temporal. Ainda assim, aconselho uma cabine habitável que comporte todos os passageiros do barco.

Recomenda-se uma motorização dupla, de popa ou de centro, mas se não for possível, que haja além do motor principal, de maior potência, um motor auxiliar de emergência, sendo este de baixa potência, o qual poderá ser fixado numa base própria no espelho de popa ou acondicionado no interior do casco, se este permitir, para ser instalado na popa apenas no caso de necessidade.

Bateria com capacidade (Amperes) suficiente para partida do motor (se for o caso) e para o funcionamento dos eletrônicos, bem como uma boa fonte de energia (alternador), também se fazem indispensáveis, especialmente para o funcionamento do rádio e das bombas de porão, itens vitais do barco.

Sonar, GPS e Rádio

Também são necessárias a luzes de navegação (de topo, de bordos e de alcançado) e ainda para iluminação do convés e cabine para o caso de ser necessário pernoitar em alto mar. As luzes de LED atualmente estão substituindo as lâmpadas incandescentes, com a vantagem incrível de ter baixíssimo consumo e durabilidade indefinida.

Para navegação costeira, as normas da Marinha exigem que se tenha a bordo, além de outros requisitos, um rádio VHF, uma bússula, um refletor de radar (não é radar, mas apenas uma peça de metal que reflete as ondas do radar de barcos maiores), kit de fogos pirotécnicos e salvatagem completa na classe respectiva para mar aberto/costeira. Além disso, embora apenas recomendado pela Marinha, entendo indispensáveis para se ter no barco um sonar para leitura da profundidade e um GPS, de preferência com carta náutica. Atualmente existem aparelhos portáteis de rastreamento por satélite que podem emitir a trajetória do navegador ou mesmo mensagens de socorro/emergência, os quais não são tão caros para a serventia que podem ter. Um rastreador por satélite de uso pessoal com ótimo custo benefício é o SPOT, já vendido no Brasil.

Além dos itens acima discriminados, a embarcação para navegar com segurança em mar aberto depende muito da manutenção preventiva que é dada ao conjunto, barco/motor. Portanto, é recomendável que o próprio comandante da embarcação, normalmente o proprietário habilitado como MESTRE AMADOR, se habitue a conferir se tudo está funcionando corretamente, especialmente a tensão da bateria (acima de 12,4 volts antes da partida do motor – em stand by – e 13,8 a 14,2V quando em funcionamento o alternador), os aparelhos eletrônicos e os relógios indicativos do funcionamento do motor.

Refletor de radar e rastreador por satélite

O casco também deve ser inspecionado com frequência, quase sempre entre uma pescaria e outra, para que se possa confirmar a sua higidez e inexistência de avarias ou fissuras que comprometam a estanqueidade, ocasionando alagamentos e eventual naufrágio.

 O motor, a força do barco, deve ter suas revisões normais em dia, como troca de óleos, dos filtros e verificado especialmente o sistema de refrigeração. Ainda que não se vá pescar com frequência, necessário se faz funcionar o motor ao menos 02 vezes por mês, principalmente se este for movido à gasolina (brasileira), combustível que contém elevado percentual de álcool, altamente danoso ao sistema de alimentação do motor que ocasiona entupimentos dos bicos/carburadores.

As fotos que ilustram a matéria são de uma embarcação (casco de madeira e totalmente laminado) utilizada por mais de 15 anos em minhas pescarias costeiras. Esta “jangada” media 6,20m de comprimento por 2m de boca e estava devidamente registrada na Capitania dos Portos para mar aberto, cumprindo todas as exigências legais para navegação costeira. Em todo esse período naveguei seguramente mais de 10.000 milhas sem que ocorresse nenhum incidente de repercussão ou mesmo alguma avaria em alto mar, seja no motor ou no próprio barco, que me impedisse o retorno ao porto de partida.

Ressalto que as imagens da referida embarcação servem apenas de exemplo para demonstrar que é possível ter um barco de pesca para mar aberto de custo reduzido, sem abrir mão da segurança e que observe as normas da marinha relativamente aos itens obrigatórios que tal embarcação deve portar, quando engajada na navegação costeira.

 

*Gustavo Adelino é guia de pesca Oceânica e homem do mar.


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