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Jacaré Açú
Numa dessas noites mágicas, estávamos discutindo a veracidade da existência da Boiúna, cobra grande com chifres, quando chegou de repente, vindo do nada, um morador da região em sua piroguinha, tão rasa que não sabemos como suporta o peso de um homem sem afundar. A conversa mudou de rumo, e papo vai, papo vem, “seu Tião”(nosso visitante) começou a contar seu “causo”. Dizia-nos ele que de algum tempo pra cá, começaram a sumir animais de sua criação, na sua maior parte porcos e galinhas. Deixaram a princípio por conta de alguma sucuri, comum na região, mas a coisa foi tomando vulto e a preocupação aumentando, pois só de criança pequena ele tinha cinco. E se o bicho resolvesse mudar de cardápio? Assim pensando, combinou com a parentada dar tocaia à fera.
Sabiam que os ataques se davam à noite, pois só davam fé da falta de criação ao amanhecer. Durante o dia nunca deram por falta de nada. Fato sabido, começavam a caça depois do anoitecer, quando a lua já descansava de sua jornada (segundo “seu Tião”,uma hora depois de aparecer). Saíam sempre em três piroguinhas, a uma distancia de uns 50ms entre elas, para que desse tempo de uma socorrer a outra, se preciso. Um dia, dois, e nada. Parece que o bicho adivinhava e não dava as caras. Passou-se uma semana, e por coincidência ou não, os ataques cessaram.
Como é do ser humano, a vigilância relaxou, e por três dias nada mais aconteceu. “Seu Tião”convidou então seu primo, o Cirino, a matar uma paca para reforçar a dispensa. Saíram à mesma hora do descanso da lua, só que dessa vez os dois numa única canoa. Iriam até um igarapé conhecido para barranquear o animal. Na frente ia o Cirino, remando, e logo atrás “seu Tião”, com uma lanterna e uma espingarda velha, mas que ainda dava um bom “papouco”, segundo ele. Mal tinham navegado uns 100 metros, um mal estar tomou conta do Cirino, um arrepiozinho chato, segundo ele. Comentou com o companheiro e ficou por isso mesmo. Mais umas remadas e “seu Tião”, que tinha acabado de matar uma CABA insistente (marimbondo grande que é atraído pela luz, e só ferra quando se sente ameaçado), ouviu um bufar surdo às suas costas. Virou-se rápido para trás, com o instinto aguçado de caboclo, e viu as fauces do inferno vir em sua direção. Instintivamente, levou o cano da arma para o monstro e disparou, sem fazer mira. Formou-se uma tempestade ao redor da embarcação, com os estertores da fera em agonia, que só não virou devido à habilidade dos canoeiros e os anjos da guarda, que estavam de plantão. Depois de muita luta, embarcaram o bichão e voltaram para a vila, para dar as boas novas aos parentes . Tinham sem querer resolvido o enigma do sumiço da criação. Era sem dúvida aquele animal o objeto da perseguição que tinham feito até então sem sucesso.
-Pois é, seu moço! A besta tinha no mínimo uns 6 metros, disse o Tião à assistência calada esperando o fim da estória. Quem quiser ver é só ir lá em casa. Foi ontem que pegamos o bicho.
Como tínhamos compromisso com o pessoal que estava conosco pescando, além de não ser conveniente abandonar o barco por muito tempo, lamentamos com o Tião não podermos ir, mas ele não se conformou com nossa recusa e despediu-se meio carrancudo, afastando-se tão rápida e silenciosamente como tinha chegado.
No dia seguinte, após o pessoal sair para a pesca, por volta das 9:00hs, vimos ao longe o barco do Tião vir em nossa direção. Chegou todo sorridente, trazendo um grande volume coberto por trapos. Ao atracar, retirou os panos da carga e para nosso espanto vimos a maior cabeça de jacaré que poderíamos imaginar. Ele havia feito questão de provar sua estória.
Por essas e outras é que jamais podemos duvidar dos “causos”e lendas do Amazonas. Quem garante que não existam mesmo as cobras monstruosas e outras aparições que povoam o imaginário popular da região?
O mais interessante de tudo é verificar como nós, da cidade, podemos ficar tão insensíveis às belezas e coisas pitorescas da natureza. Deixamos a cabeça desse jacaré na entrada do barco, para que todos pudessem ver quando voltassem da pescaria, no horário do almoço. Acreditem se quiser, mas não houve ninguém que se dignasse a dar uma paradinha para olhar. Afinal, ali não estava uma lagartixa… Esses “pescadores” estavam mais interessados em almoçar e logo sair para preencher a COTA.
Rio Punaú
O Rio Punaú é um rio que teria todas as condições de se tornar um excelente polo para pesca esportiva no estado do Rio Grande do Norte, devido a uma certa estrutura já formada que dispõe de pousada, chalés e restaurante apto a atender pescadores acompanhados ou não de suas famílias, pois as opções de lazer para a família são muitas como: passeios de caiaque, ultraleves, ou mesmo, caminhadas na praia e passeios nas dunas, tudo isso praticamente à beira do rio, que proporciona ainda possibilidade de um belo banho em suas águas limpas.
Obviamente, as coisas não são tão fáceis assim, para que isso ocorra, em primeiro lugar deveria haver uma certa conscientização por parte dos nativos que continuam a praticar a pesca de subsistência, porém, predatória, onde se utiliza a tarrafa e também a pesca de mergulho.
Todos sabem que a pesca de tarrafa é permitida apenas no mar, mas por falta de fiscalização por parte dos órgãos de defesa do meio ambiente, essa modalidade aliada à pesca de mergulho, vem ocorrendo indiscriminadamente em rios de todo estado, sem que nada esteja sendo feito para coibi-las.
Isso sem falar na pesca de arrasto que ocorre praticamente todo dia na praia de Zumbi.
Mas mesmo assim posso dizer que, apesar de não ser como a 10 anos atrás onde praticamente fazíamos pescarias fantásticas nesse rio pegando na maioria das vezes exemplares de excelente porte, podemos ainda assim, algumas vezes, fazermos ótimas pescarias, porém, na maioria das vezes capturando exemplares de menor porte.
Mas, por várias oportunidades podemos ser surpreendidos com ataques de grandes Robalos Peva e até mesmo “Flechas”, como das últimas vezes em que tive algumas iscas perdidas com peixes que estimava ter acima de cinco quilos.
Por isso mesmo, não recomendamos material muito leve, pois a qualquer momento poderá entrar um “monstrengo” em sua linha, e para tanto, sugerimos varas e linhas de 20 lbs, pois quando o bicho pega, “corre” imediatamente para as estruturas, enganchando-se nas moitas das margens fazendo com que você perca o peixe e às vezes, a isca, por isso, um material mais potente proporciona segurar um pouco mais a corrida do peixe para evitar que isso ocorra.
Utilize carretilhas ou molinetes compatíveis e que comportem pelo menos 70 metros da linha citada acima.Por ser um rio estreito e com possibilidade de margeá-lo, a pescaria é praticamente feita de barranco, acho isso uma grande vantagem para quem pesca Robalos (e outros peixes), pois podemos “varrer” bem o pesqueiro e as possibilidades de pegarmos o peixe é bem maior em relação a uma pescaria feita embarcada, onde a força da maré muitas vezes dificulta o posicionamento do barco em relação ao pesqueiro fazendo com que o mesmo não seja bem explorado.
Apesar do Rio Punaú ser praticamente de água doce, há a incidência de marés. E é nas marés mais altas que há a possibilidade de fisgarmos os melhores exemplares, pois quando aumenta o volume de água é que os Baby Tarpons (camurupins) e os Robalos (camurins), sobem o rio para se alimentarem principalmente de Saúninhas e Lambaris (Piabas). No rio também há a ocorrência de caranhas de no máximo dois quilos (nunca peguei maior do que isso), mas que proporciona também uma bela briga.
Fato curioso é que as caranhas são encontradas mais perto da barra, rio acima são mais difíceis de serem fisgadas, sem contar outras espécies de menor interesse esportivo como o Jacundá e os Bagres que não raros, podem ser vistos subindo o rio em cardumes numerosos.
A precisão nos arremessos é fundamental para o sucesso da pescaria nesse rio, existe a necessidade de arremessarmos a isca rente à vegetação da margem, pois o peixe costuma ficar abrigado na sombra da vegetação esperando sua presa, e dificilmente, quando a isca sai da área de sombra o peixe a ataca porque isso é seu mecanismo de defesa, pois o peixe sabe que, indo para uma parte mais iluminada da água, ficará mais visível e indefeso contra os predadores.
Por esse motivo notei que à tarde, quando o sol fica por trás da vegetação proporcionando maior sombra sobre o rio, me pareceu que os Robalos ficam mais “à vontade” chegando a atacar as iscas artificiais até no meio do rio, diria até, que chega a aumentar a produtividade da pescaria, entretanto, em toda regra há sua exceção, pois já fiz excelentes pescarias pela manhã com o sol “a pino” enquanto que, no mesmo dia à tarde a pescaria foi desastrosa.
Existem uma grande variedade de iscas que podem ser usadas na pescaria.
Geralmente, as menores, de até 9 centímetros são mais produtivas em virtude da maioria dos exemplares serem de menor porte, porém, se entrar um exemplar de porte mais avantajado é necessário que essas mesmas iscas estejam munidas de garatéias e argolas de excelente qualidade.
Hoje existem no mercado garatéias ultra-reforçadas de 4X até 6X(vezes) mais resistentes que as garatéias comuns.
Mas não desprezemos iscas maiores de 11 ou 13 centímetros, pois costumamos dizer que: “isca grande pega peixe grande”.
A isca Bomber 15 A é a meu ver a melhor opção nessa categoria de iscas maiores.
Diria que, a melhor maneira de se trabalhar as iscas seria o trabalho lento com as famosas “chamadinhas” utilizando tanto iscas de meia água como de superfície, pois a julgo o trabalho ideal para situações onde o peixe é bastante arisco.
Mas, sem dúvida alguma, a modalidade mais interessante a ser praticada nesse rio é o Flyfishing, pois o ambiente é favorável e muito parecido com os rios norte-americanos onde se costumam pegar trutas na modalidade.
É um desafio e tanto fazer uma pescaria de Robalos utilizando-se material de fly e onde existe ainda a possibilidade de fisgar também outra espécie altamente esportiva como o Tarpon.
Mas para isso, é necessário dominar técnicas como o roll cast, pois em vários trechos de rio haverá situações onde a vegetação fica muito perto das costas do pescador impossibilitando o arremesso para trás. Recomendamos equipamentos com varas de ação rápida de nºs 6 a 8 munidos com linha WF-F(peso na frente flutuante) Bass bug taper, pois é uma linha projetada para arremessos de iscas volumosas contra o vento.
E quem já pescou aqui, sabe que o vento não dá trégua.
As iscas de fly sugeridas para pescar Robalos e Tarpons são os streamers, e os atados em anzóis reforçados que vão dos nºs 2 ao 3/0 são os ideais.
Utilizo as iscas atadas pelo Katiúscio, que são iscas excelentes e bastante produtivas.
PESCA NA PRAIA
Outra boa alternativa quando a pesca no rio não está dando resultados, é a pesca na praia em frente à desembocadura do rio, e existe uma grande possibilidade de fisgar Robalões usando iscas vivas como o Carapicú (abundante no rio perto do mar) ou mesmo Barbudos e Corós, fisgados no local com anzóis menores. Ou ainda, na maré seca, munido de uma bomba de sucção, poderemos coletar o “corrupto”, uma excelente isca para praticamente todos os peixes que ocorrem na pesca de praia. Lá, pode ser tentada também a pesca de arremesso com iscas artificiais. E ainda mais…Na pesca de barranco no rio com varinha simples de mão podemos nos divertir com os valentes Piaus três Pintas, para tanto, a melhor isca para captura dessa espécie é a minhoca. É incrível como num pequeno rio como esse podemos praticar vários estilos de pesca.
O Rio Punaú está localizado no município de Rio do fogo mais precisamente na cidade de Zumbi que fica a aproximadamente 70 quilômetros do centro de Natal, e a visita a este rio faz parte do roteiro de várias operadoras de turismo do estado. Mas qualquer pessoa pode visitá-lo, em época de baixa estação é cobrada uma pequena taxa por carro que custa R$ 1,00, enquanto que na alta, cobra-se R$ 15,00 com direito a consumação no restaurante (hóspedes não pagam a taxa).A diária nos chalés da pousada custam R$ 50,00, e na alta R$ 70,00 com direito ao café da manhã*.Quando viajar a Natal-RN vale a pena você dá uma “esticadinha” para vir conhecer as maravilhas desse rio, principalmente se você for pescador, pois não deve perder a oportunidade de tentar pescar Robalos e Tarpons além de desfrutar de belas paisagens desse magnífico lugar.
- Os preços são os praticados em junho/2004.
Fotos: Marcos Réia e Katiuscio Karllo
Crônica de um camurupim perdido…
Praia cheia, gritos de crianças, risadas e muito sol. Maré vazando e saúna começando a sair da lagoa. O fim da tarde também se aproxima.
Caminho lentamente para as pedras. A preguiça que chegou junto com os aperitivos e tira-gostos ainda não foi embora, mas fazer o que? Não tenho forças para lutar contra esse micróbio incurável. Além do mais, sei que é hora dele, e a esse encontro não posso faltar…
Um vento forte sopra do mar. Prendo então ao “snap” uma “TOP DOG” modificada, em torno de 50 gramas.
Com uma quebrada de pulso carrego a vara e deixo voar a isca. Polegar velho de guerra sutilmente acariciando o carretel em seu giro desenfreado, zunindo e aos poucos perdendo força. Ao cair a isca n`água acabo com seu lamento, pressionando firme mais suavemente, como convém se comportar com um velho amigo.
Um, dois, três… Vários arremessos e nada…
Após longo tempo, o pensamento já caminha de encontro ao fim da pescaria, quando…
Meus amigos, quão impressionante é a corrida de um camurupim criado… Em questão de segundos uma corrida desembestada, misturada com saltos espetaculares, quase esgota a linha do carretel, e, antes de se tomar uma atitude, já era…
É o comportamento usual na boca da barra de Tibau quando o bicho é grande.
Pois bem, a estória se repete mais uma vez. Uma pequena platéia, ensandecida, acompanhou a refrega, torcendo e palpitando, como é de sua natureza: Dá linha… Segura… É peixe?… O que houve, rebentou?…
Eu com cara de bocó mais uma vez! O que fazer? Esperar a próxima…
O que vocês acabaram de ler foi uma pequena narrativa de um dia de pescaria despretensiosa e até bem pouco tempo possível. Mas o progresso foi chegando, as rêdes aumentando, manguezais sumindo, depredação continuando, e, o mais importante, falta de educação ambiental e política de conscientização ecológica. Não podemos apenas consumir, consumir, consumir…
Entretanto, como convencer um pescador nativo, que sempre viveu da pesca, a soltar uma parcela do pescado, respeitar épocas de reprodução, etc… O que ele sabe aprendeu com os pais e o exemplo da comunidade a que pertence. Embora reclame da diminuição dos peixes, nunca toma para si uma parte da responsabilidade da situação.
Mas não estou aqui para fazer acusações nem apontar soluções, mesmo porque não as tenho. Apenas quis lembrar aos amigos as duas faces da moeda, para mostrar esse belo camurupim pescado com linha de mão, por nativo da região, e que serviu de modelo para a foto com nosso amigo Franz, aqui de Tibau. Lamentavelmente foi morto, assim como todos que são capturados, sem que o significado da idéia do Pesque&Solte e dos dividendos que poderia gerar como turismo de pesca amadora tenham algum peso.
Daqui a alguns anos, olharemos essa foto e ficaremos imaginando que tenham pertencido algum dia a algum paraíso perdido.