Dourado do mar

Aproveitando o clima de nostalgia ao recordar antigas pescarias de matrinchã, vamos falar sobre dourados no mar, com o auxílio de velhas fotos e sem a qualidade ideal, mas pelo menos servindo para ilustrar em parte o que for dito. Para não ficar só no passado, faremos alguns contrapontos com as pescarias de hoje. O que for atual estará em azul, ajudando o entendimento.

Comecei a pescar em beira de praia… Mais ou menos em 1970…

Naquela época, tudo o que fazia era preocupar-me com o tamanho do caniço e arremessar o mais longe possível. Achava que era o bastante para garantir o peixe. Depois vi que não era bem assim…

Tempos depois comecei a travar conhecimento com minhas primeiras iscas artificiais, tentando pescar Bass. Entre uma pescaria e outra na cachoeira do França, ficava ouvindo meu amigo Ismar falar das maravilhas que era a pescaria no mar aberto, no litoral do Rio de Janeiro, mais precisamente em Arraial do Cabo. 

De tanto ouvir suas histórias, comecei a me entusiasmar e a me programar para acompanhá-lo em sua próxima viagem.

Arraial do Cabo fica a 600 Km aproximadamente de São Paulo e na época era vinculada ao município de Cabo Frio, tendo emancipado-se em 13 de Maio de 1985 e possuindo hoje vida própria. 

Tem uma grande vocação turística e a cada dia toma-se mais conhecida devido às suas belezas e à sua hospitalidade.

Foi um dos primeiros núcleos de povoação do Brasil, com a chegada de Américo Vespúcio em 1503, e no fundo de suas águas encontram-se dezenas de naufrágios, constituindo-se numa grande atração para o pessoal do mergulho.   

As saídas para as pescarias são efetuadas no Porto do Forno, na Praia dos Anjos, em embarcações tipo baleeiras.

É um dos pontos mais piscosos do Brasil devido ao fenômeno da ressurgência, que ocorre em raros pontos dos oceanos da terra, provocado em Arraial do Cabo pelos movimentos entre a Corrente do Brasil (águas quentes) que descem no sentido Nordeste/Sul e a Corrente das Malvinas ( águas frias) que sobem no sentido Sul/Norte, trazendo à tona grande quantidade de nutrientes, motivo da piscosidade local.

Nos meses de verão, notadamente em janeiro, a corrente do Brasil se aproxima bastante de Arraial do Cabo, em função dos ventos que empurram suas camadas superficiais para a costa, trazendo junto um dos mais belos e esportivos peixes de água salgada, o Dourado (Coryphaena hippurus).

É extremamente saboroso e um grande lutador, além de ter grande resistência. Quando menos se espera, ao se errar o passaguá para embarcá-lo, sai em disparada novamente, traçando uma reta perfeita na superfície da água, levando embora toda a linha que o pescador pacientemente recolheu, recomeçando tudo novamente. São muito velozes.

Costuma circundar o barco depois de fisgado, chegando às vezes a completar 360° em seu passeio, traçando uma circunferência perfeita. Briga no fundo, à meia-água, na superfície, de todas as maneiras, dando saltos espetaculares sem se entregar. Atende todas as expectativas de um pescador esportivo.

Essas considerações referem-se a pescarias efetuadas em barcos pequenos, baleeiras ou congêneres, usando-se material leve e compatível com esse tipo de pesca.

Normalmente em pescas oceânicas a bordo de grandes lanchas, equipadas para a pesca de sails e marlins, o dourado é considerado um intrujão e sua briga não é tão emocionante como em uma embarcação menor, mas sempre dá seu show e mostra a que veio.

Enquanto vivo, tem cores maravilhosas que variam do dourado ao prateado, passando pelo verde, amarelo, azul metálico, um verdadeiro arco-íris. Após sua morte e ao ser retirado da água, suas cores desaparecem rapidamente, ficando entre um amarelo e um marrom esmaecido. É como se retirassem o brilho de seu espírito, que voltou às profundezas.

Distingue-se o macho da fêmea pelo formato da cabeça, sendo a da fêmea arredondada e do macho chanfrado, como se tivesse sido cortado da testa para baixo com um só golpe. São conhecidos os grandes machos por Cartola.

São peixes que atingem mais de 30 kg e mais de 1,50 m. de comprimento, ocorrendo em todos os mares tropicais e subtropicais do mundo.

Nadam sempre perto da superfície e no alto mar, nas águas azuis, motivo pelo qual no sudeste vamos ao seu encontro em pequenas embarcações e com material leve na época apropriada, no verão, aproveitando a proximidade dos limites da Corrente do Brasil.

No Rio Grande do Norte o mar azul está bem mais próximo da costa, antes das 14 milhas, mas o grande problema é o vento, e assim temos que esperar pelas condições propícias. A temporada do dourado aqui começa a partir de abril, quando tem início a “safra” do peixe-voador, e vai até setembro. Na realidade o dourado dá o ano todo, mas esse intervalo é o melhor para sua pescaria, “o pico”. A partir daí já fica mais fraco. Acreditamos que é devido às altas temperaturas do oceano na superfície, pois à medida que o verão vai chegando com força, vai esquentando as águas. Talvez em profundidades maiores sejam encontrados, mas por aqui ainda não se pratica a “pesca vertical”, com jumping jigs. Voltando ao problema do vento, em agosto ele começa a soprar com gosto, indo até outubro, mais ou menos, mas aí já perdemos dois bons meses de pescaria, agosto e setembro. Isso é regra geral, mas pode antecipar e/ou retardar. Ultimamente a natureza não está fazendo muita questão de nos respeitar, dando o troco às agressões que vem recebendo.

Na Praia dos Anjos há duas saídas para o alto mar. A mais usada é pelo Boqueirão, situado entre a Ilha de Cabo Frio (Ilha do Farol) e o continente (Pontal do Atalaia), e a outra saída é pela Ponta Leste.

Saindo-se pelo Boqueirão, vira-se à esquerda em direção à Ponta do Focinho, onde está localizado o farol. Da Ponta do Focinho até a Ponta Leste temos sempre um mar bastante “picado”, batendo de frente nas rochas, em função dos ventos e das correntes.

Se você vai pescar com iscas naturais e ainda não as providenciou, ai é o lugar. Basta soltar um “penacho” no corrico e esperar a ferrada de um bonito, normalmente na faixa de 1 a 3 quilos.

Há duas espécies de bonitos que podem ser encontradas nessas águas, o Bonito comum (Little Tuna ou False Albacore), na média de 1 a 3 kg, embora tenhamos capturado espécies entre 6 e 10 kg, e o Bonito Serra (Atlantic Bonito), na média de 1 a 2 kg. Nunca pegamos nenhum maior na região. Uma terceira espécie, o Bonito Oceânico (Oceanic Bonito ou Skip Jack) somente é encontrada em água azul. Já capturamos na faixa de 8 kg.

Além da boa briga, principalmente se você estiver usando material leve, há sempre a possibilidade de se fisgar um peixe de maior porte. Isso sempre acontece. É tamanha a piscosidade do local que a cada passada é quase certo uma ferrada. O penacho usado deve ser de preferência na cor amarela, é o que os pescadores da região usam. Esses penachos podem ser adquiridos em Arraial do Cabo e Cabo Frio.

Outras opções são os plugs de barbela, principalmente as Rapala Magnum CD tamanho 9 a 11. As cores ficam a critério do pescador que verificará na prática a que melhor está funcionando para aquele local e hora. Sugerimos como base as brancas com cabeça vermelha, douradas com lombo verde e prateadas com lombo azul ou preto.

A vara utilizada deve ser para duas mãos e medir entre 6 e 7 pés, além de permitir linhas entre 12 e 20 libras e a linha propriamente dita deve ficar entre 12 e 17 libras.

Entretanto a melhor isca natural para o dourado, na região leste, é a lula, que deve ser colocada no anzol inteira. Caso sejam poucas iscas, podem ser usadas em filés, assim como os bonitos, que devem ser iscados em tiras. O barqueiro providenciará e ensinará a maneira correta de se iscar. Não estamos levando em consideração peixes-voadores, nem farnangaios, devido à dificuldade de aquisição para o pescador comum, pelo menos na região.

Já no Rio Grande do Norte é comum o corrico usando-se farnangaio, pois é uma isca de fácil aquisição.

Há uma maneira correta de se empatar o anzol para que a isca (lula ou bonito) não escorregue para sua curva quando corricamos. A isca deve permanecer cobrindo todo o anzol, do olho à curva, caso contrário perde sua eficiência. Nunca devemos deixar para arrumar a tralha no barco. Trabalhos manuais e fixação da vista não combinam com o balanço das ondas, a não ser que você seja um velho lobo do mar…

Antes de mostrarmos como se faz esse empate, vamos falar de alguns modos de se pescar o dourado.

Primeiramente temos que procurar a água azul. Em Arraial, a partir da Ponta do Focinho, em direção ao alto mar, em velocidade de cruzeiro (6 nós) e sem lançar as iscas n’água, navegamos em média uma hora até acharmos o ponto. Às vezes, em ocasiões bem propicias, com meia hora já estamos em posição de iniciar a pesca. Por outro lado, às vezes só com duas horas de viagem chegamos na água azul.

É impressionante e bela a passagem da água verde para a azul. Não é uma coisa que aconteça de repente, vai escurecendo gradativamente, e, quando você menos espera, é um pequeno ponto na imensidão do azul escuro, subindo e descendo montanhas d’água como se estivesse em gangorra gigante. Se estiver acompanhado de outro barco a uma distância de 50 metros, só o verá por breves instantes ao se cruzarem na mesma altura, enquanto uma onda sobe e outra desce. Não sei se é por causa dos ventos constantes, mas nessa região o mar normalmente é pesado, e embora não ofereça perigo me dá sempre uma sensação de pequenez.

No Rio Grande do Norte o mar é mais quebrado, as vagas são menores em extensão mas são mais revoltas, quebram mais, oferecendo maior risco às pequenas embarcações.

Por questões de segurança seria aconselhável, sempre que possível, pescar acompanhado por outro barco, pois as baleeiras só tem um motor e não possuem rádio. A mesma observação vale para o RN.

Durante a viagem, devemos ficar atentos a detritos que estejam boiando ao sabor das ondas, como pedaços de madeira, por exemplo, e também sargaços. Fatalmente o dourado estará por perto, por ser um viveiro natural de pequenos peixes e crustáceos que ali buscam proteção. Se encontrar detritos, encontrou o dourado.

É um peixe tão voraz e persegue sua presa a tamanha velocidade, que várias vezes observamos peixes-voadores em sua “planagem”, fazendo sombra na superfície da água, e só depois percebemos que é o dourado acompanhando sua presa próximo à superfície, esperando que ela caia direto “na panela”.

Uma vez na água azul, é tempo de iniciarmos a pescaria. Temos várias opções.

O corrico é uma delas. A uma velocidade em tomo de 4 nós, solta-se as iscas a uma distância aproximada de 30 metros, variando para mais ou para menos as outras linhas lançadas à água. Pescando-se nessas baleeiras, 3 linhadas é o número ideal, uma a boreste, uma a bombordo e outra no meio da popa. No máximo 4 linhadas, ficando nesse caso 2 na popa.    Pode-se usar tanto isca natural quanto artificial. Se usarmos isca artificial a velocidade de corrico deve ficar em tomo de 6 nós.

As iscas artificiais mais indicadas são as Rapala Magnum Floating com barbela de plástico, uma vez que o dourado pega mais na superfície, nos tamanhos 14 a 18. Quanto às cores, deve ficar ao critério do pescador, que verificará na prática qual o melhor para aquele dia e local, substituindo as mesmas no decorrer da pescaria. Como orientação. sugerimos as brancas com cabeça vermelha e as prateadas com lombo azul ou preto. Na água azul as amarelas e suas variações são bastante eficazes.    Outra opção de isca é a Long A 16 da Bomber, observando os mesmos critérios para as cores.

A vara utilizada deve ser para duas mãos e medir entre 6 e 7 pés, além de permitir usar linhas até 30 libras, como por exemplo, uma de 14-30 libras, e a linha propriamente dita deve variar entre 14 e 20 libras. Como na água azul não existe enroscos, uma linha de 14 libras estaria de bom tamanho.

Entretanto, se pretendemos devolver o peixe às águas, com uma linha fina para um peixe na faixa de seus 10 kg, por exemplo, demoraria muito para embarcá-lo, provocando sua total exaustão, comprometendo sua sobrevivência.

Não precisamos, portanto, ser muito exagerados. Uma linha de 20 libras já será fina o suficiente para um peixe desse porte. Se a intenção for soltar todos os peixes, pode até aumentar a resistência de sua linha que ainda assim terá uma bela e honesta briga.

Pescando com iscas artificiais, a linha da carretilha ou molinete poderá ser atada diretamente a um snap (grampo), com ou sem girador, e o snap diretamente a um leader 0,60mm, por exemplo, para facilitar o embarque do peixe. Não é necessário usar encastoamento, uma vez que o dourado não possui dentes e sim serrilhas.

Se a pescaria for no RN, haverá a necessidade do uso de encastoamento, pois por aqui é grande a incidência de Wahoos.

Quando pescamos com iscas naturais, as iscas mais usadas, lula ou filé de bonito, encontradas facilmente em Arraial do Cabo, se não iscadas corretamente “escorregam” para a curva do anzol diminuindo sua eficiência.

Nesse caso a linha (20 libras) da carretilha ou molinete é fixada num girador com snap (grampo) e confeccionamos vários chicotes que serão utilizados no decorrer da pescaria. Esses chicotes consistem de aproximadamente 1 metro de linha 0,90mm (podem variar de 0,80mm a 1,00 mm) tendo numa extremidade um girador e na outra extremidade o anzol, tipo 3407 da Mustad, tamanho 6/0 ou 7/0. Outras opções de anzol são os tipos 7731 e 7766, também da Mustad, nos tamanhos 6/0 e 7/0.

É importante ficar atento para o fato que os anzóis da série Big Game, como no caso o tipo 7731 da Mustad, não obedecem ao mesmo padrão de tamanho dos anzóis normais, como o tipo 3407. por exemplo. Assim sendo, ao comprar um modelo “Big Game”, utilize como padrão de tamanho o modelo 3407.

Outro aspecto importante a considerar é que devemos sempre optar pelos modelos de mais fácil corrosão, uma vez que se tivermos que cortar a linha para liberação do peixe com o anzol, ou mesmo se a linha se romper durante a briga, o peixe terá mais chance de sobrevivência e menos tempo de agonia para se livrar do anzol. Nas lojas de pesca normalmente você achará o tipo 34007, de aço inox, de mais difícil corrosão. Opte, portanto, pelo modelo 3407, que é estanhado e de mais fácil corrosão, como os modelos 7731 e 7766, já mencionados. Outro alerta é quanto às semelhanças de modelos. O modelo 7731, já sugerido, é semelhante ao 7731 A. No entanto, o modelo 7731 possui o olho soldado, ao passo que o 7731 A possui o olho tipo fundo de agulha. Para o presente caso, é essencial que o modelo adquirido seja o 7731, por possuir o olho maior e dar maior apoio ao tipo de nó que necessitamos fazer.

Voltando ao chicote, se o mar estiver “batido”, é aconselhável usar entre uma extremidade (girador) e outra (anzol) um pequeno chumbo correndo livre, limitado por um nó de retenção ou parada. Esse nó é confeccionado da mesma maneira que o nó usado para empatar o anzol. Isso permite que a isca nade mais suavemente, evitando ficar “pulando” sobre as ondas.    O detalhe mais importante do chicote está no nó. Deve ser usado o tipo para anzol de pata (sem olho), e uma vez fixado bem apertado, a linha de náilon deve ficar na parte interna do anzol, sem passar por dentro do olho. Isso fará toda a diferença ao colocarmos a isca, pois a camada ficará presa entre a linha e o olho do anzol, impedindo que corra para a curva do anzol. Vejam como fica.

Vários chicotes devem ser montados, com e sem chumbo, para se ter opções de acordo com as condições do mar.

Se a pescaria for no Rio Grande do Norte, o esquema é outro, visto que por aqui usamos o farnangaio, embora possa ser utilizado o mesmo sistema e iscas mencionados acima.

Agora é só engatar o chicote na linha principal e mãos à obra!

Outra maneira de se pescar o dourado é na “caída”, como dizem os caiçaras. Na realidade consiste em deixar o barco na “rodada”, ao sabor do mar, e ir cevando, atirando às águas pedaços de peixes, lulas, “caldo” de peixe, restos, tudo em pequenos pedaços. Nesse caso deve-se utilizar o chicote sem chumbo. Outra alternativa é usar bóias, que podem ser presas ao girador do chicote ou mesmo ajustável pelo nó de retenção na linha principal da carretilha ou molinete.

Como “dica” final, em qualquer modalidade de pesca, seja no corrico com iscas artificiais ou naturais, seja na rodada, verifique quando o dourado estiver próximo ao barco se não existem outros peixes ao redor. As vezes eles costumam “encachorrar” (encardumar), na linguagem dos pescadores, e aí é aquela festa. Se você mantiver sempre um dourado fisgado dentro d’água, enquanto o parceiro retira o seu, o cardume ficará encostado no barco. É nessas horas que você terá oportunidade de “pinchar” iscas artificiais com equipamento diferente e mais leve, como varas para uma mão (pistol grip) e até mesmo fIy.

Outra coisa. No corrico, assim que alguém fisgar, pare o barco. Não reboque o peixe.

Curta o jogo, cada qual no seu lado do campo.

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Sobre o autor

Marco Antônio Guerreiro Ferreira

 
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