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Em nome de Deus

A todo o momento cresce o número de estruturas de pesca esportiva no Amazonas, seja na forma de barcos-hotel, acampamentos ou mesmo hotéis de selva. Se por um lado isso é positivo, pois o aumento de turismo ordenado leva ao desenvolvimento e gera recursos para a região, por outro lado, paradoxalmente, pode ocasionar a diminuição desse mesmo turismo. Como isso é possível?

Vejamos como exemplo o caso dos barcos-hotel. Existem hoje dois pólos principais de concentração dessa modalidade (barcos-hotel), Manaus e Barcelos. Se considerarmos que o tempo padrão de uma excursão de pesca é de uma semana, veremos que os locais possíveis de atuação estão limitados pela distância, e basicamente todos os barcos estarão pescando inevitavelmente dentro de uma mesma região, pois os pesqueiros são determinados pela altura das águas e numa mesma temporada mudam de ponto acompanhando a vazão da água. À medida que novas embarcações entram no mercado, vai diminuindo o espaço vital para a pesca. Hoje Manaus conta com 10/15 barcos em operação, ao passo que Barcelos já está ultrapassando a casa dos 06 barcos. Se houvesse um consenso quanto à quantidade e tamanho de peixes embarcados, não estaríamos agora discutindo esse assunto, mas não é esse o caso. A depredação é constante, principalmente pelos pescadores profissionais e mesmo amadores de Manaus, que não acreditam na extinção do peixe, embora a situação esteja mudando, graças ao trabalho de programas como Pesca Amazônia, pescadores esportivos locais e empresários da pesca com mentalidade ajustada aos novos tempos. O turista de outros estados, de um modo geral, tem um pouco mais de consciência, principalmente os oriundos do sul do país, pois já foram bombardeados por revistas especializadas e programas de televisão em maior grau. Tem mais acesso às informações. Mas nós, do sul, temos também nossos matadores empedernidos. Vejam o que aconteceu com o Pantanal…

Uma das alternativas possíveis para minimizar esse problema e mesmo equilibrar os estoques pesqueiros seria a descoberta de locais ainda não explorados à exaustão e proibir a pesca profissional indiscriminada, fechando o local e permitindo apenas a pesca esportiva, no sistema pesque e solte. Esses locais existem, acreditem, e mais perto do que se pensa.

Evidente que a pesca praticada pelos ribeirinhos para sustento continuaria intocada, mas a pesca para revenda do peixe seria proibida. Muitas comunidades já se aperceberam disso e estão dispostas a tentar, mas aí o bicho pega, pois existem muitos interesses camuflados, de poderosos que fazem questão de manter o povo desinformado e submisso.

Atendendo ao convite de uma dessas comunidades, que começam a tomar consciência do problema e gostariam de mudar a situação, estivemos em agosto de 2000 em reunião convocada por um líder comunitário, o Sr. Targino, no município de Altazes, para discutir o fechamento do Rio Mutuca, onde a pesca profissional já é proibida, pelo menos em tese, como comentaremos adiante.

Feitas as apresentações e após tocar o hino da comunidade, o Sr. Targino deu a palavra ao Sr. João Batista, pastor evangélico da igreja Assembléia de Deus, que após conclamar todos a uma oração, começou seu discurso nos seguintes termos: Meus irmãos, aleluia! Minha palavra é que sou contra esses predadores que vem destruir nosso rio. Se eles insistirem em entrar, temos que mobilizar 200 homens, e se preciso com força de armas, para expulsá-los, por bem ou por mal. E continuou por aí afora. Disse inclusive que seus amigos lhe fornecem peixe e caça de graça, embora não precise, pois tem um bom ordenado e se fosse o caso pagaria sem problemas. O pastor não sabe que a caça é proibida? E o peixe que recebe de graça não é desviado de quem realmente precisa?

Ficou evidente a todos os presentes mais esclarecidos que o pastor estava a serviço de interesses ocultos, acobertado ou não pela igreja a que serve, pois por qual outro motivo seria contra o desenvolvimento de um povo carente e sofrido? Seria por medo de perder o dízimo? Ou tem participação no comércio do peixe que é pescado clandestinamente?

Há séculos são cometidas barbaridades em nome da igreja, qualquer que seja, e também em nome de Deus. A Inquisição e colonização dos gentios, as Cruzadas, entre outros exemplos, estão aí como testemunhas da história. Como pode um servo de Deus apregoar a violência armada, e ainda por cima se aproveitar da boa fé dos inocentes? Como pode se acobertar sob o manto de uma instituição religiosa para agir em benefício próprio? Lamentavelmente, quanto menos esclarecidos e mais mal informados, maior a submissão do povo.

Nossa proposta para o Mutuca era o fechamento do rio para a pesca profissional e a abertura para a pesca amadora, no sistema pesque e solte, nos seguintes termos:

  • Tínhamos o compromisso de contratar os moradores da região como guias piloteiros, dando-lhes inclusive treinamento para receber o turista. O próprio guia seria o elemento fiscalizador para garantir a soltura do peixe. O “rancho”(alimentação) seria adquirido das comunidades, garantindo assim uma renda extra. Só o que não pudesse ser obtido no local seria levado de Manaus. O turista poderia adquirir artesanatos dos moradores, caso se preparassem para isso. Esse seria o pontapé inicial, com os desdobramentos que fatalmente viriam, como eventualmente construção de hotéis de selva, postos de saúde, etc.

Uma vez que tivéssemos a aquiescência da comunidade, o objetivo era tornar a coisa oficial, via o PNDPA ou órgãos afins.

Era esse o nosso objetivo. Evidentemente nós, pescadores esportivos, também seríamos beneficiados, assim como a natureza e a comunidade local. Um negócio só é bom quando o é para todos.

Após o pronunciamento do pastor, tomou a palavra o presidente da comunidade, que subiu ao palco alcoolizado, gerando protestos ( na surdina ) por parte de alguns moradores. Falou apenas o suficiente para dizer que concordava com o pastor, mas deixava a decisão da liberação da pesca esportiva nas mãos da comunidade.

Posteriormente falaram a candidata a vereadora Srta. Ivoneide e o candidato a prefeito por Altazes, Sr. Tomé. Ambos abordaram o problema lucidamente, como pessoas esclarecidas que são, se colocando a favor do turismo da pesca esportiva, desde que ordenado e trazendo benefícios para a região.

Anteriormente comentamos que nessa região a pesca profissional já estava fechada, pelo menos em tese. Dissemos em tese porque sabemos de moradores que pescam o peixe para fornecer para atravessadores. Os próprios moradores sabem disso e sabem quem são. Por outro lado, conhecemos uma senhora que pesca há 10 anos no rio Mutuca e é proprietária de um motel e de um restaurante em Manaus. Considera-se pescadora esportiva e adota o lema que tucunaré bom é o tucunaré dentro do isopor. Por outras fontes, soubemos que o produto de sua pesca é direcionado para seu motel e seu restaurante, pelo menos uma parte. Como essa senhora tem permissão para pescar livremente nesse rio? Simples: É proprietária de uma casa na beira do rio…

Com relação à proibição de pesca esportiva nos rio do Amazonas, estivemos antes dessa reunião no Mutuca com o coordenador geral do Ibama em Manaus, para saber a posição oficial do orgão. Convidamos na ocasião o coordenador ou algum representante da instituição para participar do evento, uma vez que assim teríamos respaldo legal, colocando nosso barco ( Miss Bebel ) à disposição para viagem, alojamento e refeições. Ficaram de nos confirmar, mas não passou disso. Quanto às proibições, nos informaram que desde que não sejam áreas de proteção ambiental, como a Reserva do rio Jaú, por exemplo, não existem leis que proíbam a prática da pesca esportiva, com varas, carretilhas ou molinetes. Nada impede o direito de ir e vir do pescador, mesmo porque o rio não é de propriedade particular, e sim da União. O que acontece é que existem dois tipos de lei: – A lei oficial e a lei local. A lei oficial não é cumprida por falta de condições de fiscalização, e a lei local é imposta pelos moradores de cada região. Dito isto, nos aconselharam a tentar fazer a negociação com os moradores, e o resto vocês sabem…

Até a presente data a decisão continua em discussão, e não esperamos uma solução a curto prazo.

Cada vez mais temos consciência de que o tempo passa e nada muda. Como sempre foi, os menos favorecidos continuam oprimidos pelos interesses dos poderosos, e o que é pior, EM NOME DE DEUS.

ps: Não sei hoje (2006) como está a coisa. Me parece que o Sr. Targino acabou montando uma estrutura tipo hotel de selva. De barco, o Rio Mutuca fica a 14 horas de Manaus, aproximadamente, mas é possível fazer a viagem de carro, demorando cerca de 4 horas de Manaus, incluindo a travessia de balsa para o Careiro. Essa matéria foi escrita em 2000 e não foi publicada pela revista Troféu porque na época a revista tinha um programa de pesca na TV Record, o “Caminhos da Pesca”, e como a Record pertencia (e pertence) a uma igreja protestante (Universal do Reino de Deus), o dono da Troféu ficou com medo de publicar e sofrer retaliações, como por exemplo a retirada do programa do ar.

Jacaré Açú

Numa dessas noites mágicas, estávamos discutindo a veracidade da existência da Boiúna, cobra grande com chifres, quando chegou de repente, vindo do nada, um morador da região em sua piroguinha, tão rasa que não sabemos como suporta o peso de um homem sem afundar. A conversa mudou de rumo, e papo vai, papo vem, “seu Tião”(nosso visitante) começou a contar seu “causo”. Dizia-nos ele que de algum tempo pra cá, começaram a sumir animais de sua criação, na sua maior parte porcos e galinhas. Deixaram a princípio por conta de alguma sucuri, comum na região, mas a coisa foi tomando vulto e a preocupação aumentando, pois só de criança pequena ele tinha cinco. E se o bicho resolvesse mudar de cardápio? Assim pensando, combinou com a parentada dar tocaia à fera.

Sabiam que os ataques se davam à noite, pois só davam fé da falta de criação ao amanhecer. Durante o dia nunca deram por falta de nada. Fato sabido, começavam a caça depois do anoitecer, quando a lua já descansava de sua jornada (segundo “seu Tião”,uma hora depois de aparecer). Saíam sempre em três piroguinhas, a uma distancia de uns 50ms entre elas, para que desse tempo de uma socorrer a outra, se preciso. Um dia, dois, e nada. Parece que o bicho adivinhava e não dava as caras. Passou-se uma semana, e por coincidência ou não, os ataques cessaram.

Como é do ser humano, a vigilância relaxou, e por três dias nada mais aconteceu. “Seu Tião”convidou então seu primo, o Cirino, a matar uma paca para reforçar a dispensa. Saíram à mesma hora do descanso da lua, só que dessa vez os dois numa única canoa. Iriam até um igarapé conhecido para barranquear o animal. Na frente ia o Cirino, remando, e logo atrás “seu Tião”, com uma lanterna e uma espingarda velha, mas que ainda dava um bom “papouco”, segundo ele. Mal tinham navegado uns 100 metros, um mal estar tomou conta do Cirino, um arrepiozinho chato, segundo ele. Comentou com o companheiro e ficou por isso mesmo. Mais umas remadas e “seu Tião”, que tinha acabado de matar uma CABA insistente (marimbondo grande que é atraído pela luz, e só ferra quando se sente ameaçado), ouviu um bufar surdo às suas costas. Virou-se rápido para trás, com o instinto aguçado de caboclo, e viu as fauces do inferno vir em sua direção. Instintivamente, levou o cano da arma para o monstro e disparou, sem fazer mira. Formou-se uma tempestade ao redor da embarcação, com os estertores da fera em agonia, que só não virou devido à habilidade dos canoeiros e os anjos da guarda, que estavam de plantão. Depois de muita luta, embarcaram o bichão e voltaram para a vila, para dar as boas novas aos parentes . Tinham sem querer resolvido o enigma do sumiço da criação. Era sem dúvida aquele animal o objeto da perseguição que tinham feito até então sem sucesso.

-Pois é, seu moço! A besta tinha no mínimo uns 6 metros, disse o Tião à assistência calada esperando o fim da estória. Quem quiser ver é só ir lá em casa. Foi ontem que pegamos o bicho.

Como tínhamos compromisso com o pessoal que estava conosco pescando, além de não ser conveniente abandonar o barco por muito tempo, lamentamos com o Tião não podermos ir, mas ele não se conformou com nossa recusa e despediu-se meio carrancudo, afastando-se tão rápida e silenciosamente como tinha chegado.

No dia seguinte, após o pessoal sair para a pesca, por volta das 9:00hs, vimos ao longe o barco do Tião vir em nossa direção. Chegou todo sorridente, trazendo um grande volume coberto por trapos. Ao atracar, retirou os panos da carga e para nosso espanto vimos a maior cabeça de jacaré que poderíamos imaginar. Ele havia feito questão de provar sua estória.

Por essas e outras é que jamais podemos duvidar dos “causos”e lendas do Amazonas. Quem garante que não existam mesmo as cobras monstruosas e outras aparições que povoam o imaginário popular da região?

O mais interessante de tudo é verificar como nós, da cidade, podemos ficar tão insensíveis às belezas e coisas pitorescas da natureza. Deixamos a cabeça desse jacaré na entrada do barco, para que todos pudessem ver quando voltassem da pescaria, no horário do almoço. Acreditem se quiser, mas não houve ninguém que se dignasse a dar uma paradinha para olhar. Afinal, ali não estava uma lagartixa… Esses “pescadores” estavam mais interessados em almoçar e logo sair para preencher a COTA.

Essa é a foto da cabeça do jacaré. Tirem suas próprias conclusões…

Crônica de um camurupim perdido…

Praia cheia, gritos de crianças, risadas e muito sol. Maré vazando e saúna começando a sair da lagoa. O fim da tarde também se aproxima.

Caminho lentamente para as pedras. A preguiça que chegou junto com os aperitivos e tira-gostos ainda não foi embora, mas fazer o que? Não tenho forças para lutar contra esse micróbio incurável. Além do mais, sei que é hora dele, e a esse encontro não posso faltar…

Um vento forte sopra do mar. Prendo então ao “snap” uma “TOP DOG” modificada, em torno de 50 gramas.

Com uma quebrada de pulso carrego a vara e deixo voar a isca. Polegar velho de guerra sutilmente acariciando o carretel em seu giro desenfreado, zunindo e aos poucos perdendo força. Ao cair a isca n`água acabo com seu lamento, pressionando firme mais suavemente, como convém se comportar com um velho amigo.

Um, dois, três… Vários arremessos e nada…

Após longo tempo, o pensamento já caminha de encontro ao fim da pescaria, quando…

Meus amigos, quão impressionante é a corrida de um camurupim criado… Em questão de segundos uma corrida desembestada, misturada com saltos espetaculares, quase esgota a linha do carretel, e, antes de se tomar uma atitude, já era…

É o comportamento usual na boca da barra de Tibau quando o bicho é grande.

Pois bem, a estória se repete mais uma vez. Uma pequena platéia, ensandecida, acompanhou a refrega, torcendo e palpitando, como é de sua natureza: Dá linha… Segura… É peixe?… O que houve, rebentou?…

Eu com cara de bocó mais uma vez! O que fazer? Esperar a próxima…

O que vocês acabaram de ler foi uma pequena narrativa de um dia de pescaria despretensiosa e até bem pouco tempo possível. Mas o progresso foi chegando, as rêdes aumentando, manguezais sumindo, depredação continuando, e, o mais importante, falta de educação ambiental e política de conscientização ecológica. Não podemos apenas consumir, consumir, consumir…

Entretanto, como convencer um pescador nativo, que sempre viveu da pesca, a soltar uma parcela do pescado, respeitar épocas de reprodução, etc… O que ele sabe aprendeu com os pais e o exemplo da comunidade a que pertence. Embora reclame da diminuição dos peixes, nunca toma para si uma parte da responsabilidade da situação.

Mas não estou aqui para fazer acusações nem apontar soluções, mesmo porque não as tenho. Apenas quis lembrar aos amigos as duas faces da moeda, para mostrar esse belo camurupim pescado com linha de mão, por nativo da região, e que serviu de modelo para a foto com nosso amigo Franz, aqui de Tibau. Lamentavelmente foi morto, assim como todos que são capturados, sem que o significado da idéia do Pesque&Solte e dos dividendos que poderia gerar como turismo de pesca amadora tenham algum peso.

Daqui a alguns anos, olharemos essa foto e ficaremos imaginando que tenham pertencido algum dia a algum paraíso perdido.

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