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Um rio chamado Mutuca

Existem pescarias que nos marcam e que sabemos jamais se repetirão. Por mais que voltemos ao mesmo local, na mesma época, com o mesmo nível de água, etc., a natureza só nos privilegia uma vez. Isso aconteceu conosco, num rio chamado Mutuca.

À primeira vista não conquista o pescador, devido a grande quantidade de casas de ribeirinhos, uma após a outra. Além disso, até os pontos de pesca mais distantes, passa-se por quatro comunidades, cada qual com interesses próprios e comportamento diferente. Mas isso é outra estória, que já foi contada na matéria “EM NOME DE DEUS”. Esse é um dos pontos descobertos nas aventuras vividas quando “EM PESQUISA DE NOVOS PONTOS”.

Quando se vai pela primeira vez ao Amazonas e é levado para esse rio, fica-se a princípio um pouco decepcionado, pois vai achar um local bastante habitado, e normalmente associa-se pescaria abundante com regiões distantes e solitárias, selvagens mesmo. Afinal, não é o que se esperava encontrar no que é hoje considerada a última fronteira de vida selvagem no Brasil.

Relativamente próximo de Manaus, a 14 horas de viagem em Barco-Hotel, mais ou menos, é um rio estreito na maior parte do tempo, principalmente na época da seca, coincidindo por isso mesmo com a pesca do tucunaré.

Já na cheia engole barrancos e mata ciliar, expandindo suas fronteiras e criando armadilhas para os navegantes, escondendo seu leito como joia preciosa. É quando reina o igapó, refúgio para todas as espécies. 

Em uma de nossas últimas viagens para esse rio, levando um grupo de Santa Catarina, mais precisamente de Jaraguá do Sul, em 1999, tivemos a expressão máxima do que é pescar tucunarés no Amazonas. Esse grupo foi organizado por nossos amigos Romeu Konell e Gildo Hornburg, o arquivo vivo, como se autodenomina.

Saímos de Manaus num Sábado pela manhã, e no Domingo bem cedo já estávamos pescando.

Como é natural, os primeiros arremessos e pontos escolhidos serviram para o pessoal se integrar ao ambiente. É interessante como os pinchos iniciais são tímidos, como se tivéssemos medo, e, ao mesmo tempo, desejo de sermos surpreendidos com um ataque assustador. Passada essa fase, começa realmente a pescaria.

Por volta das 7 horas da manhã começou o bombardeio. Ao passarmos por um igarapé, largo de uns 30/40 metros, avistamos na entrada pontas de barranco que afundavam abruptamente, uma de cada lado. Paramos imediatamente, e após cessar o banzeiro e posicionarmos o barco com o motor elétrico, começou a festa. Não descreveremos a pescaria, pois não temos competência para isso, além do que é uma visão muito pessoal, vivenciada diferentemente por cada pescador. 

O rio estava ainda um pouco cheio, quase chegando ao nível ideal. Assim sendo, os pontos de arremesso eram aqueles convencionais, que todo pescador de tucunaré conhece. Procurávamos barrancos, entrada de lagos, ilhotas semi-submersas, concentração de tocos, galhadas, etc, e em todos esses pontos os ataques se faziam presente, mas o que nos chamava a atenção era que a maior parte das ações era de tucunarés de bom porte. Chegávamos a brincar perguntando: Será que nesse rio não tem peixe pequeno?

Mas o melhor de tudo ainda estava por vir. Independentemente da fartura de peixes em qualquer pescaria, nunca estamos satisfeitos com o ponto onde estamos, e o espírito de aventura e curiosidade fazem com que sejamos impelidos a gastar gasolina em busca do Eldorado. Assim fizemos e tocamos em frente em busca de novidades.

Sempre desprezamos como pesqueiros barrancos altos e que afundassem abruptamente, principalmente não havendo qualquer tipo de estrutura na água, como tocos ou outra vegetação qualquer. São locais normalmente muito fundos, e como não sabemos o que está submerso evitamos perder tempo. Ao passarmos por um desses barrancos, vimos uma tempestade localizada, num espaço de uns dois metros, e na sequência um peixe que calculamos em mais de um quilo pular e tentar subir desesperadamente pela encosta, inutilmente. Tornou a cair na água e daí para frente desconhecemos seu destino. Afobadamente duas iscas caíram na água e nada aconteceu. Estávamos em três pescadores, e o primeiro e mais afoito tinha arremessado no barranco, que era liso e sem enrosco para prender a isca. Foi ela deslizar para a água e o estrondo comeu! Resultado: Açu de 10 kg!

Isso foi o começo para tornar essa pescaria inesquecível. A partir daí os pontos – chave eram os barrancos íngremes e sem estrutura aparente, porém com a condição que as iscas caíssem no máximo a um palmo, e olhe lá, do encontro do barranco com a água. Maiores distâncias ficavam sem resposta, por incrível que pareça. Nos barrancos tipo praia sem enrosco podia-se jogar as iscas na areia e deixar deslizar para a água, sem necessidade de caprichar nos arremessos.

Houve dias que saíram mais de 10 peixes entre 8 e 10 kg entre todas as embarcações, sendo o recorde de Romeu Konell, um Açu de 10.800 kg, secundado pelo açu do Iran Vicente de Paula, de 10.500 kg. Chegamos ao cúmulo de passar a considerar tucunarés de 6 kg pequenos.

Por graças dos céus, esse grupo de Jaraguá do Sul era constituído por amantes da pesca esportiva, acostumados ao uso de iscas artificiais e com senso bem desenvolvido de preservação ambiental, pois todos os peixes eram devolvidos às águas, independente do tamanho, com as exceções de praxe para consumo no barco, mas respeitando-se os limites entre dois e quatro kg para abate, mas somente nos dias de sashimi ou uma caldeirada à moda. Falamos graças aos céus porque, independente das normas de nosso barco, não tínhamos condições de fiscalizar todos os pescadores que estavam no rio, e a partir do momento que um tucunaré grande chegar morto à embarcação, o mal já foi feito. Por outro lado, o papel de agenciadores de excursões de pesca não é o de fiscalização, e sim de orientação, pois a saída para os problemas de depredação está na educação e não na repressão, embora muitas vezes seja necessária, infelizmente.

Esse paraíso descrito não é ficção nem estória de pescador. Ele existe, mas os acontecimentos narrados tiveram como pano de fundo uma situação excepcional de fatores positivos convergentes, que dificilmente voltarão a se reunir novamente de uma só vez. É possível, mas improvável.

Como toda moeda tem duas faces, existem fatores negativos também. O primeiro deles é que é uma região endêmica de malária, principalmente na temporada da pesca do tucunaré, na seca, e precauções tem que ser tomadas. O mosquito da malária ataca ao amanhecer e ao entardecer, no horário das cinco até sete horas, mais ou menos, nos dois casos. Fora desse horário podem alimentá-los sem receio. Conhecemos num dos lagos um pescador de pirarucu, o Sr. Veríssimo, que há dois dias estava na espera pacientemente para tocaiar o bicho, sem sucesso.

Contou-nos que era a décima malária que pegava, e estava aproveitando uma pausa entre as crises agudas para prover o sustento da família com a captura do peixe. Sua tralha consistia de uma fisga fixada em uma haste e uma boia feita de molongó, tipo de madeira dura, porém leve como balsa. Após atingir o peixe, a fisga fica presa por uma corda e a haste é descartada, como se fosse uma pesca com linha de mão. Ficamos condoídos sem saber para quem torcer, para ele ou para o pirarucu, ambos em extinção. No terceiro dia fomos embora, e ao longe avistamos o Sr. Veríssimo na sua canoinha, pacientemente remando no lago em busca do rival e salvador, retrato triste da maior parte dos ribeirinhos do Amazonas, entregues à própria sorte, sem esperanças e sem ninguém que olhe por eles.

Outro fator negativo é que já em 2000 a pesca esportiva estava proibida nesse rio. Não uma proibição legal, pois pela lei oficial não há impedimento, mas uma proibição local, praticada pelos moradores, manipulados por interesses de aproveitadores, que levantam a bandeira da preservação, mas às escondidas pescam e fornecem o pescado para atravessadores e donos de frigoríficos.

Hoje, 2006, não sabemos a realidade desse rio.

Existem pescarias que nos marcam e que sabemos que jamais se repetirão. Isso aconteceu conosco, NUM RIO CHAMADO MUTUCA.

Em tempo: Pratique o pesque & solte. Não é uma obrigação, é uma necessidade!

Por que Tucunaré?

Outro dia, passando os olhos por um velho dicionário enciclopédico ilustrado, de 1977, casualmente me deparei com o termo sugestão subliminar.

Instantaneamente voltei à minha juventude, no Rio de Janeiro, quando, por conta do calor, ficávamos até altas horas na calçada batendo papo e esperando o sono chegar. Bons tempos em que a violência era coisa de cinema… Existia, é claro, mas tinha outra dimensão…

Pois bem, lembro-me de uma noite em que a conversa girava em torno da capacidade de manipulação da vontade, com a utilização de métodos misteriosos. Todos davam sua opinião, sem qualquer base mais sólida, por ouvir falar… Um dos exemplos era a grande descoberta que haviam feito do porquê do sucesso da Coca-Cola, descoberta essa censurada  e proibida.

O que o pessoal da propaganda fazia? Incluía nos filmes um quadro com a imagem do refrigerante, que passava despercebido pelo espectador, mas inconscientemente a mensagem era enviada e armazenada no cérebro. Fatalmente antes do fim do filme a pessoa estava com vontade de tomar Coca-Cola sem saber o motivo. Esse era o teor de nossas conversas de garotos em uma daquelas noites…

Voltando ao dicionário mencionado, fizemos algumas anotações sobre o assunto:

Sugestão – Processo pelo qual o indivíduo perde sua faculdade de crítica, aceitando, dessa forma, idéias ou ordens que podem ser contrárias às suas próprias convicções conscientes.

A sugestão coletiva é um dos principais recursos da propaganda, em função da qual muitas pessoas podem ser influenciadas para dar preferência a determinado produto.

A propaganda emprega também a sugestão subliminar, na qual os estímulos são tão breves ou fracos que são registrados apenas pelo inconsciente, influenciando, depois, o consciente.

Esse, sem dúvida, é  o porquê da paixão mundial pelo Tucunaré! Não é que o malandro está nos programando subliminarmente? Afinal, como ele conseguiu superar em fama o rei da água doce, o Dourado? Como e por que preferimos a pesca do tucunaré? É bem verdade que seu ataque é inigualável numa isca de superfície, sendo sempre uma surpresa a cada ocasião, mas é peixe de fôlego curto em comparação com outras espécies.

Na verdade na maioria dos ataques (na superfície) não conseguimos ver o peixe, apenas o estardalhaço das águas, mas se conseguirmos isolar as imagens quadro a quadro, descobriremos o tucunaré como um ninja camuflado nas sombras, dando seu golpe e sumindo,  com a presa já abatida. É o exemplo perfeito do que seja sugestão subliminar, pois na hora da pesca, ao vivo, raramente iremos vê-lo na hora do ataque, só o efeito de sua ação, mas os estímulos que nos presenteia são tão breves e rápidos, que são registrados apenas pelo inconsciente, indo depois se manifestar no consciente, fazendo com que sempre estejamos ávidos pelas emoções de sua pesca. Bem, e se isso não o convencer, esqueça a teoria e veja: Não é isso que o faz paixão nacional?

Quinta dimensão – Mistério no Pantanal)

Sempre gostei de ficção científica, e, na minha juventude, não perdia um capítulo das séries “Quinta Dimensão” e “Além da Imaginação”. Mais tarde, já entrado nos trinta, conheci um amigo, engenheiro eletrônico, que hoje é um dos mais conhecidos e respeitados ufólogos do meio, escrevendo para revistas do segmento, e figurinha carimbada nos programas de televisão quando enfocam esse tema. Seu nome é Claudeir Covo.

Como gostava do assunto, não perdia oportunidade de contestar suas opiniões, mais no sentido de estimulá-lo a falar do que propriamente não concordar com ele.

Algumas vezes pescamos juntos, e, mais do que a paixão pela pesca, movia o Claudeir o gosto pela aventura e pela natureza, pelo desconhecido.

 Não raro saíamos do assunto UFO’s para outros mistérios da natureza, como lendas e folclore.

A partir daí, em todas minhas viagens de pescaria, principalmente por regiões mais afastadas, ficava à noite observando o céu em busca de algum indício de discos voadores ou qualquer outro fenômeno desconhecido. Nunca vi nada de anormal, pois mais que vigiasse, mas até hoje não perdi a mania de ficar procurando alguma coisa de inusitado quando a ocasião se oferece.

O caso que vou narrar nada tem a ver com discos voadores, mas se fiz esses comentários iniciais foram para situar os amigos com outros pontos de interesse de minha parte.

Corria o ano de 1994, e na ocasião estava em Porto Jofre com uma turma de amigos, pescando e gravando algumas cenas para o vídeo “Pescando com Fly no Pantanal”. Mais diretamente ligados às gravações estavam o Paulo César Domingues da Silva e o Quico Guarnieri, assim como o Wilson Feitosa, na condição de anfitrião com seu hotel às margens do Rio São Lourenço.

A idéia era gravar algumas cenas da pesca do tucunaré, e para isso saímos de Porto Jofre em direção às lagoas do Rio Piqueri, distantes aproximadamente duas horas e meia do local. Como seria sacrificado ir e voltar no mesmo dia, ainda mais sabendo que em pescaria não há garantias, ficaríamos hospedados numa fazenda perto dos locais de pesca.

Vou chamar a fazenda de Fazenda Mangueiral, embora não tenha certeza do nome.

Lá morava uma família que hospedava os conhecidos, com acordo prévio, servindo inclusive refeições. O Wilson já tinha combinado tudo.

Essa fazenda tinha sido construída já com o intuito de abrigar pescadores, mas não sei por qual motivo não estava em operação.

Além da casa da fazenda, onde morava a família, tinha seis chalés conjugados, de dois em dois, unidos por uma passarela de cimento de um metro de largura, mais ou menos, com uns cinco centímetros de altura do chão. Cada chalé desses tinha uma porta de entrada com proteção para mosquito, no sistema móvel, como porta de filme de Cowboy. Essa porta dava para uma pequena sala de entrada, com 2x3metros, cuja finalidade seria guardar isopores, varas, etc. Em cada extremidade dessa sala tinha uma porta que dava para cada chalé, que era um quarto com duas camas e banheiro. Eu e o Paulo César ficamos em um quarto desse, e o outro, conjugado, desocupado. O Quico e o Wilson ficaram em outro bloco, mais afastados.

Pois bem, saímos para pescar e por volta das cinco da tarde o tempo virou. Estávamos no mês de abril.

Voltamos à fazenda e o mundo caiu. Mal tivemos tempo de chegar aos chalés. Após um banho e troca de roupas, fomos à casa principal debaixo de chuva, onde nos esperava um bom jantar e um bom papo. Embora molhados, nada que uma “branquinha” acompanhada de uma cerveja não resolvesse.

Apesar de tudo, não me sentia à vontade. Estava entre amigos e rolava um bom papo, mas meu coração não sossegava. Nessas horas a gente pensa em casa, na família… Será que está tudo bem?

 A chuva forte continuava e os trovões clareavam tudo. Um belo espetáculo ao qual estou acostumado e que considero uma das maneiras mais gostosas de pegar no sono. Mas nesse dia parecia que estavam me mandando um recado…

Lá pelas nove horas fomos deitar. Ainda conversamos um pouco, eu e o Paulo, além da revisão de praxe no material de pesca e equipamentos de gravação. Lá fora a chuva continuava na mesma intensidade.

Demorei a pegar no sono, como de costume, mas o Paulo não se fez de rogado, apagou logo…

Não sei que horas eram, mas acordei com um barulho estranho em cima da casa. A princípio parecia que os galhos das árvores estavam batendo no teto, movidas pelo vento, mas o barulho foi aumentando, aumentando… Já não parecia somente o choque dos galhos, mas como se um animal estivesse a correr e a querer arrebentar as telhas com suas garras. A chuva e o vento continuavam…

A essa altura, confesso que o medo me invadiu. Olhei para o Paulo na esperança que ele acordasse, mas não dava sinais de vida, continuava apagado. Acendi a luz esperando afugentar o animal que porventura estivesse ali, mas apaguei logo para não atrapalhar o sono do Paulo, embora desejando que ele acordasse, mas nada…

Por um momento achei que o barulho tinha diminuído, mas começou tudo de novo.

Sem saber o que fazer, só me restava aguardar. Ir lá fora, nem pensar… E não era por causa da chuva…

Aí aconteceu o mais esquisito. De repente, sem explicação ou fase intermediária, o barulho transferiu-se num passe de mágica para a pequena sala de entrada, hall para os quartos. Parecia um animal selvagem preso num pequeno espaço, como se querendo despedaçar tudo que por ali estivesse. Além de equipamentos de pesca, lá ficava um grande isopor que eu usava para transportar o material de gravação, como monitor, fitas, etc.

O barulho era tanto e tão infernal que pensei até em ser uma onça. Nessa hora nossa imaginação voa, e o medo nos faz ver e ouvir coisas que não sabemos explicar.

A porta estava fechada, mas corri para passar a chave. Nova surpresa: Não tinha chave! No outro dia vim a saber que nenhum quarto possuía chave.

O que fazer? Não me restou alternativa a não ser acordar o Paulo e explicar a situação: – Paulinho acho que tem um bicho aí dentro! O jeito é ver o que é!

Nessas horas é que é bom não se ter uma arma. Se eu tivesse, teria feito uma besteira. Teria descarregado a arma em direção ao barulho mesmo com a porta fechada.

Fomos os dois juntos até a porta e num movimento sincronizado, acendemos a luz e abrimos a porta! Silêncio total… Olhamos atrás do isopor, vasculhamos tudo e nada… Nenhuma marca no isopor… Confesso que fiquei sem entender e um arrepio correu minha espinha… Lá fora a chuva continuava, com menos intensidade, mas constante. Os trovões eram mais esparsos, mas ainda estavam por ali…

Abestalhado, contei ao Paulo tudo que tinha ouvido. Não chegamos a nenhuma conclusão e o remédio foi voltar a deitar. Como não tinha chave, fiz uma barricada na porta com a maleta de minha câmera. Providência inútil, pois qualquer criança poderia forçar a entrada se quisesse.

Logo o Paulo voltou a dormir. Fiquei em vigília quase o resto da noite. Quase porque em certo momento também apaguei.

Os barulhos voltaram, dessa vez do lado de fora, em cima da casa, mas com menos intensidade, às vezes como galhos batendo no teto, às vezes como se fosse algum animal com suas garras.

Com a entrada da frente fria, a pescaria tinha terminado. O frio era insuportável, e o bom senso mandava retornar à base. Eu estava louco para sair dali, mas o pessoal resolveu ficar mais um dia porque o rio não tinha condições de navegação devido às ondas e o vento. Por mim, eu iria até a nado, mas venceu a maioria.

Comentei com o pessoal durante o dia o que tinha ocorrido, mas por alto, sem entrar em maiores detalhes, com medo de ouvir o que não queria. Evitei até conversar mais detalhadamente com o Paulo. De acordo com a maioria, devia ser o vento jogando os galhos contra o teto. Mas e o barulho da ante-sala?

Passei o dia meio tenso e não restou outra alternativa senão passar mais uma noite no chalé. Estiquei o máximo possível o horário de ir para a cama, e ainda ajudei o sono com a companhia de algumas “branquinhas”, mas não teve jeito, o horário chegou!

Nessa noite pendurei um crucifixo que sempre me acompanhou em todas as viagens (até ser roubado) no pé da cama.

Os barulhos voltaram, esquisitos como na noite anterior, mas com bem menos intensidade, e só do lado de fora, em cima da casa. Passei a noite sem maiores problemas.

No outro dia bem cedo embarcamos de volta para Porto Jofre. Nunca me senti tão aliviado em sair de algum lugar.

 Como muitas pessoas da região tinham ficado presas nas fazendas devido o mau tempo, os barcos levavam alguns caronas que iam ficando no meio do caminho. Em nosso barco ia um senhor bem entrado na idade, bem acocorado com uma manta devido o frio. Em um determinado ponto ele saltou. Ao ajudá-lo a sair do barco, agradeceu e deu um sorrisinho maroto, dizendo algo como “proteção e aperto”, que não entendi direito, talvez nem tenha sido isso…

Senti um arrepio e não tive condições de dizer nada…

Até hoje não contei a ninguém em detalhes o que se passou comigo naquela noite, nem à minha família, apenas por alto. É interessante como guardamos conosco algumas lembranças que não conseguimos partilhar na totalidade com ninguém, até chegar o momento certo. Até o Paulo não teve percepção do que aconteceu comigo. O que terá havido? Apenas imaginação? Não quero saber a resposta…

Voltei a passar pela fazenda Mangueiral alguns anos depois. Os moradores não são os mesmos, e procurei guardar na lembrança apenas os bons momentos vividos por lá.

O que aconteceu naquele dia está no passado e o local continua com aquela força e exuberância próprias do Pantanal, com seus mistérios e espíritos da floresta. Ainda hoje não perdi a mania de olhar os céus à procura de sinais fora do normal, devo isso ao Claudeir. Hoje em dia nos comunicamos esporadicamente, por ocasião de datas festivas como o Natal e Ano Novo, e é só. Talvez algum dia possa lhe mandar assunto para estudos e pesquisas.

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