Após um dia frustrado por tantos lançamentos inúteis, em locais onde seria impossível não ter peixe, fustigado pelo calor de um sol escaldante, o entardecer pareceu chegar como uma dádiva ao corpo cansado de tanto esforço ! Passáramos o dia inteiro trocando iscas, cores, formatos, tipos, marcas, modelos, e já com o braço ajustado aos lançamentos, colocávamos as iscas nos pontos desejados, e nada de recompensa por tudo aquilo desenvolvido, a não ser por umas trairinhas de 500 g e uns dois jacundás, que pela tonalidade de suas cores, chamávamos-lhes de "trutas brasileiras" ! Isso tudo num dos mais piscosos locais que já estivera, em plena região amazônica ( trata-se do rio que divide os estados do Amazonas e o Pará ), local mais que adequado para encontrarmos os tucunas desejados, mas "o rio não estava para peixe"... O barômetro estava em queda, e com isso, a coisa complicou...
Como forma de minorar as dores dos ombros ( sabe lá o que é ficar lançando iscas dos mais variados tamanhos e peso por todo dia ), resolvemos aproveitar as iscas das traíras, e tentar um "couro", exatamente no canal onde nosso barco hotel ( Aventureira - www.pescamazon.com.br ) estava nos aguardando, afinal, por que não experimentar ???
Final de tarde é sempre uma hora mágica, com movimentação das aves, com papagaios e araras ( sempre em duplas ) riscando o céu avermelhado, com seus gritos e gorgeios... o barulhinho da água correndo, se faz mais audível, pelo silêncio de expectativa dos que ficam a espreita da "mamadinha" tão aguardada ! Mas é hora também das piranhas, eternas limpadoras dos fundos dos rios, que importunam sempre que se deseja algo mais "expressivo"... Mas é nesses locais, que se tem a oportunidade de "tropeçar" com os gigantes de couro... tem que se entender que "trocar as iscas" por conta das piranhas "tá incluso no programa" ! Faz parte...
Mas com tudo aquilo que nos cerca, é um "preço" totalmente desprezível...
Ainda com um restinho de luz, e com a substituição das andorinhas pelos primeiros morcegos, que por vezes encontravam nossas linhas em pleno vôo, provocando surpresas nas pontas de vara, é que começou a dar sinal de que "havia chegado a hora dos bichos" ! Meu companheiro de bote me faz sinal de que tinha percebido algo diferente do tradicional belisco das piranhas, nesse momento mais "tranquilas"... Mas a sua pouca idade e ansiedade pela fisgada, não lhe permitiram esperar pelo momento mais adequado, e a tentativa realizada se transformou numa frustração... ( faz parte ! ), mas ainda era cedo para pensar em desistirmos...
Não deu nem 10 minutos, e desta feita a brincadeira passou a ser na cabeça de traíra que usava como isca ! Inicialmente de forma tímida, como quem averigua a situação, a linha foi se retesando, e já estimulado pela expectativa, abri o "recolhedor" do molinete Daiwa Regal Z 5000 que estava usando, e paulatinamente fui soltando mais a linha PowerPro de 65 lbs que usava, e que parecia ser sugada pelo rio, tal a rapidez como desaparecia do molinete ! Chegara a hora ! Aviso ao piloteiro para se preparar em soltar o bote, ao parceiro para não se assustar, e com as duas mãos, mandei ver na vara de 60 lbs que usava ! Depois da primeira, uma segunda, para confirmar, e aí o "tal trem" botou a linha nas costas e mandou ver...
A ponta da vara ( 6' ) parecia querer tomar um banho de rio, vergando sucessivamente a cada cabeçada dada pelo peixe, e o piloteiro, conhecedor da fúria desses peixes, já havia soltado o bote, e seguíamos em perseguição "daquilo" que parecia não se importar em rebocar um bote com três adultos a bordo... E a linha não parava de sair do molinete, que gemia, gemia, mas não conseguia conter a pressão que lhe era imposta ! Nem preciso dizer que o calor da adrenalina já me fazia antever uma apresentação ao meu coração, pois não demoraria a vê-lo sair pela boca ! E a força feita com os braços ( aqueles mesmos que estavam cansados de tanto arremessar... ) para ajudar a vara a segurar o bicho ? Uma loucura...
Passados esses minutos iniciais ( que parecem sempre ser infindáveis... ), e com uma menor pressão exercida pelo peixe, foi possível resgatar alguma linha que foi tão selvagemente retirada, e com isso diminuir a chance de um enrosco ! Felizmente o bruto tinha ido para o meio do rio, local melhor para ser trabalhado, e graças ao piloteiro, as chances de que o enrosco não acontecessem mais, eram grandes... mas ainda faltava trazer o bicho...
A brincadeira passou a ser puxar, puxar, puxar, até o peixe avistar a claridade do nível do rio, quando retirava tudo aquilo ( linha ) que havia cedido minutos antes... e reiniciava todo o processo mais uma vez... O resumo dessas idas e vindas é que após mais de meia hora, conseguimos finalmente identificar se tratar de uma Pirarara, já que pelo comportamento apresentado ( correr para o limpo, no meio do rio ) parecia ser um Filhote ( Piraíba ) ! Inesquecível a rabanada que deu com aquele magnífico rabo laranja avermelhado, já do lado do bote, molhando-nos todos... Reação típica de uma demonstração de quem era a "majestade" naquele momento... Mas não teve jeito, e acabou sendo embarcado e admirado por todos...
Como estávamos há poucos metros do Aventureira, o levamos até lá para o respectivo registro fotográfico, antes de retorná-lo ao rio ! Naturalmente que isso só aconteceu, após um tempo de descanso e animação do grande bagre, que, assim como eu, estava exausto pelo esforço feito, e, se solto naquelas condições, não escaparia das piranhas... Mas ficar protegendo-o, permitindo sua reanimação na água corrente até que tivesse força suficiente para seguir seu caminho, foi uma emoção tão grande como a de capturá-lo ! Teria sido um crime sacrificar um exemplar como aquele ! Segue a "prova do relato" !